Eu preciso escrever hoje. Basicamente isso. Recebi um ultimato.
Escrever o que? Sei lá. Mas que eu escreva.
Poderia fazer o que eu sempre faço, refletir sobre a escrita, sobre a falta de motivação, as dúvidas e exigências...
Mas foda-se. Hoje não. Eu estou de saco cheio dessa porra.
“Ah, Pedro, mas pq vc não fala sobre isso ou aquilo ou aquilo outro?”. Porque não, mermão.
Eu sempre usei o blog para mostrar uma face minha. Uma parte de mim. Uma parte de mim que eu sentia não expressar o suficiente e que, de certa forma, seria sub representada. Eu sentia que as pessoas não conheciam esse pedaço meu, um pedaço menos idiota, menos bobão e mais culto. Um pedaço que não tinha a oportunidade de aparecer tanto quanto o outro (ou os outros).
Escrever isso no blog chega a ser engraçado. Se eu tivesse milhares de leitores eu falaria “Ah, é um lado meu que vocês não conhecem”. Mas, como as pessoas que leem isso aqui são todas próximas, muito provavelmente sabem o que eu estou falando.
Eu tenho uma tatuagem no braço direito que consiste no seguinte: uma linha pontilhada com um símbolo daqueles de GPS. Aquela setinha que mostra onde você está. De um lado, uma lâmpada e a Égide, escudo de Atena; do outro, uma lâmpada quebrada e uma taça de vinho.
A inspiração veio de uma frase dita por um amigo:
“Pedrão, vc parece andar na linha entre o genial e o insano”.
Explicar vai ser ridículo, mas fazer o que:
A setinha sou eu, me equilibrando entre o reino roxo e alegre de Dionísio- insano e sem noção, sob as rédeas apenas do sentimento, humor e prazer- e o palácio alaranjado de Atena- onde a arquitetura ordena sabedoria, disciplina e inteligência.
Por muito tempo eu tive medo de não ser levado a sério. Porque eu não era. O roxo aparecia tanto que qualquer coisa laranja sumia na piscina. Às vezes eu tentava pintar a cara de laranja e falar: “Pelo amor de deus, presta atenção no laranja agora, por favor?”. Mas as pessoas pareciam não entender que eu podia ser mais do que esse roxo. Riam e falavam “KK aham. Vc é laranja sim, sem dúvida ;)”.
Isso me deixava possesso de raiva. Ao ponto de me distanciar das pessoas que faziam isso. Algo dentro de mim não tolerava ser mais reconhecido pelo roxo do que pelo laranja. O laranja era o que eu queria ser. O blog entra aí.
“Agora chega.”
Tendo um espaço todo laranja, não é possível que as pessoas não me vejam por isso. Essa seria minha identidade, meu cartão de visita: um blog minimalista, ponderado, cético e calmo.
Uma sépia é perfeita. Além do nome ter casado perfeitamente, a sépia passa despercebida.
-É um polvo?- Perguntam.
-Não, não. Quase - respondo.
-Ah! Então é uma lula!
-Ainda não. Kkk
Ninguém sabe o que é uma sépia. No máximo sabem que é uma cor. Uma cor calma, nostálgica e monótona. Exatamente como eu queria ser. “Conversa que se adapta e muda de forma” - um bordão que, como eu, não sabe bem o que é, mas sabe o que quer ser. Bem como a Sépia, eu sempre pensava em qual pedra me camuflar. Talvez assim o roxo aparentemente tão óbvio passasse despercebido.
Perfeito.
...
E agora?
Olhando para trás eu entendo um pouco por que era tão difícil manter constância no blog. A máquina de escrever ficava em um quarto que eu jurava morar perto, mas precisava subir alguns lances de escada para alcançar. Eu me batia e repetia que era fácil. Que era só fazer e pronto. Que estava logo ali.
Óbvio que não.
O que eu tinha na cabeça? É óbvio que eu não conseguiria manter uma rotina calma, monótona e sépia. Eu não sou assim.
Então eu sou roxo, certo? Melhor aceitar isso. Se todos me veem assim, muito provavelmente é o que sou mesmo.
- É roxo? - perguntam.
-Não não. Quase. - respondo.
-Ah! Então é laranja!
-Ainda não. KK.
Ninguém sabe o que é uma sépia. No máximo sabem que é uma cor. Mas sabem que não é um polvo nem uma lula.
Uma sépia desliza sobre os corais buscando o que será agora. No que vai se transformar. Uma hora é cascalho; na outra, areia; na outra, coral. A não ser que ela não saiba em que se transformar. Nesses casos, ela explode em cor. Em um esforço para decidir o que ser, ela descobre o que é:
Colorida.
Eu não moro ora no palácio de Atena e ora no reino de Dionísio. Sou convidado de honra em ambos. Quando visito o primeiro, visto o roxo que contrasta com as paredes laranjas e me faz ser visto. Levo vinho barato e música alegre aos convidados. Leio com humor inédito os livros que descansam nas prateleiras soberbas. Quando viajo ao segundo, visto laranja facilmente visível. Em meio às brincadeiras e festas, mostro a diversão contida em refletir, e a beleza do cosmos que nos rodeia.
Como uma sépia, minha identidade talvez não esteja em ser algo, mas sim o que não ser. Eu sou o laranja sem a chatice, sem a monotonia, sem a arrogância. Eu sou o roxo sem a irracionalidade, sem a demência.
A sépia passa despercebida porque quer. Esconde-se pois não quer ser vista. E não quer ser vista porque não quer ser confundida com o que não é. Ela teme ser chamada de lula sem ser. Teme ser confundida por polvo enquanto não é.
Em seu nado errante, foge dos olhares para impedir que estes a confundam. Não que a confundam com algo, mas que a tragam confusão. A não ser quando ela não sabe em que se transformar.
Nesses casos, em revolta, foge das sombras e enfrenta os olhares. Hipnotiza-os em um display mágico de cores. Ela mostra que não é só laranja ou roxa. É verde, amarela, branca, preta, azul, marrom, cinza, rosa. E, mais importante: vermelha. Cor que forma aquelas em que tanto tentaram lhe encaixar.
Em seu desfile excessivo, paralisante, psicodélico e alucinante, a Sépia se apresenta. E, em uníssono, ainda estáticos pelo que dança em suas retinas, polvos, lulas, tubarões, moreias e carangueijos esclarecerão:
- É uma Sépia.
E,como tal, ainda deslizarei pelos oceanos, mas sem me preocupar em passar despercebido. Aos que quiserem que seja lula, serei polvo; aos que quiserem que seja polvo, serei lula.
Mas sempre.
Sempre.
Serei Sépia.
Meu filho, minha sépia... voce é perfeito em tudo que faz... sendo roxo, sendo laranja, amarelo,azul... qualquer cor que escolher vestir ficará perfeita em você porque VOCE é maravilhoso, pleno, completo e perfeito. Te amo mais que tudo.
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