Células que nos marcam: A imuno e meu laboratório
- Pedro Marzano
- 19 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
Escrevo enquanto estou no laboratório. Sim, é domingo de manhã e estou no laboratório trabalhando. Me importo? Nem um pouco. Para ser sincero eu me sinto quase privilegiado. Eu realmente gosto muito de estar aqui e, a cada dia que passa, reforço mais e mais minha certeza de que escolhi o caminho certo: o caminho da ciência.
Estou aqui hoje porque estamos testando um anticorpo novo. O projeto no qual trabalho atualmente conta com algumas modificações genéticas presentes nos nossos animais que faz com que as células as quais estudamos sintetizem proteínas que são sensíveis a certos comprimentos de onda. Assim, quando colocadas sob essas ondas nos equipamentos adequados, respondem emitindo fluorescências que podemos captar e formar imagens.
O problema é que manejar esses animais tem sido extremamente difícil. Como são duas modificações genéticas - e só conseguimos animais que contenham uma delas - é preciso que eles se reproduzam e gerem filhotes que chamamos de “duplos”. O desafio é justamente esse: fazer com que esses bichinhos tenham filhotes e, ainda, impedir que eles sejam mortos pelas mães.
Camundongos são animais extremamente sensíveis. Confesso que não tenho muita literatura que corrobore com isso, mas a minha experiência tem mostrado isso cada vez mais. Um dos maiores problemas que temos nesse projeto é impedir que a fêmea que teve os filhotes mate-os em seus primeiros dias de vida. Não se sabe muito bem porque isso acontece, mas é algo observado na natureza e principalmente em ambientes controlados.
Enfim. Tendo em vista esse desafio em adquirir novos animais via reprodução, unido com o fim de laboratórios que poderiam nos fornecê-los, tivemos que pensar em uma forma de substituir a marcação genética por algo que pudesse ser feito em animais “normais” e ainda nos permitisse visualizar as células alvo com clareza.
É aí que entra a Imunohistoquímica - ou, como chamamos aqui, só “imuno”. É algo feito regularmente no laboratório, inclusive no projeto que estou trabalhando. Em linhas gerais, consiste em usar anticorpos que reagem especificamente a algum compontente celular específico que seja de nosso interesse. É como se, para tentar encontrar pregos em uma pilha de quinquilharias de um quarto escuro, usássemos pequenos imãs super fortes capazes de deslizar até a pilha que, quando encontram pregos de ferro, grudam-se a eles e não se soltam mais.
Ainda temos o problema do quarto escuro. Como enxergar os ímãs que, agora, estão todos ligados aos pregos que estamos procurando? Simples! Imagine que magnetizemos pequenas lâmpadas de led que brilham no escuro. Elas naturalmente procurarão os imãs que colocamos, assim como estes procuraram os pregos. Então, dado o tempo necessário, cada prego estará marcado com um imã e, cada um desses, marcado com uma pequena lâmpada.
É claro que essa é apenas uma simplificação bem grosseira do processo como um todo, mas passa a ideia geral.
No caso, os imãs seriam o que chamamos de anticorpos primários, enquanto as lâmpadas seriam anticorpos secundários. Os primeiros são responsáveis por identificar e marcar a célula que estamos procurando, e os segundos por encontrar os marcadores e sinalizar onde eles pararam.
Agora, voltando ao laboratório.
Para lidar com a situação, resolvemos tentar encontrar algum anticorpo primário que marcasse as células que estudamos e testar se, de fato, seria possível adquirir informações relevantes dessa forma.
Está dando tudo errado.
O anticorpo que adquirimos, apesar de se reconhecido na literatura como adequado para nosso estudo, não parece estar surtindo efeito. Testamos diferentes concentrações e procedimentos mas... Nada. Não há um sinal sequer. O fato de que a porção que recebemos foi doada por uma pesquisadora que usara o anticorpo dois ou três anos atrás também não ajuda, mas não tinhamos muita opção considerando que o gasto com uma ampola nova, sem saber se funcionaria de fato, seria um verdadeiro desperdício de dinheiro.
Quando digo que está dando tudo errado não falo com pesar, para ser sincero. Talvez seja meio bobo da minha parte mas eu não me sinto necessariamente mal por isso. É mais empolgante do que desanimador.
O desafio de resolver esses problemas, testar hipóteses e métodos novos, discutir opções e possibilidades com os colegas, mergulhar em mares de artigos e referências na tentativa de achar alguém que teve o mesmo problema ou pode nos aproximar de alguma solução é absolutamente fascinante. É um resumo do que é a atividade científica: pensar, testar e refletir.
E como eu amo isso!
Quando eu decidi me tornar cientista eu sempre tive medo de, por emoção, acabar associando as excessões do trabalho com a verdadeira rotina. Tinha medo de imaginar que seriam diversos momentos de “eureka” sendo que, na verdade, o dia a dia seria monótono.
Até o momento eu me vejo errado. De fato, o dia a dia pode ser monótono como em qualquer trabalho. Mas os momentos de “eureka” são sim mais frequentes do que eu temia que não fossem. Isso porque não é preciso que sejam revolucionários, apenas relevantes. Cada novo dado que coletamos; cada mudança testada; cada resultado obtido é mais uma oportunidade de refletir sobre o andamento da pesquisa e desvendar mais e mais sobre a natureza. Cada atividade realizada é um lembrete da maratona que corremos para desvendar os mistérios do mundo. Um passo de cada vez.
Eu amo essa p@rra!
-Pedro Marzano
E eu amo você, menino lindo! Vc é genial!