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BEDA #2 - Estímulo

Foto do escritor: Pedro MarzanoPedro Marzano

Bom, vamos nessa.


Hoje o dia foi bem cansativo. Muito mesmo.


Claro que cogitei não escrever. Mas furar no logo no segundo dia é tenso. Bom, não é por acaso que trata-se de um desafio.


Ontem montei a arte da capa de hoje. Estava crente que escreveria alguma coisa sobre a Antártica. Carreguei um livrinho cheio de curiosidades para a iniciação científica e até um caderno, no qual faria um esboço do texto do dia para evitar o que faço neste exato momento: escrever de última hora.


Mas, não tem problema.


Eu peguei o metro cedinho e fui por todo o caminho assistindo a tiktok’s bobinhos. No fim, assim que desci do vagão, veio um provocando justamente isso. Dizia algo do tipo “não é bom ser hiperestimulado o tempo todo e não conseguir fazer nada?”.


Eu soltei uma risadinha.


Não é a primeira vez que esse tipo de vídeo aparece para mim. É óbvio que fico incomodado. É feito para isso. Dessa vez foi diferente, para ser sincero.


Olhei para o relógio da estação: 8:32


Minha carona chegaria ao ponto onde nos encontramos mais ou menos 9:30. Eu tinha tempo.


Eu tinha tempo para me redimir daquele erro que tinha sido gastar tanto tempo vendo coisas bobas e superficiais no caminho. Eu poderia ter lido. Poderia ter adiantado o texto de hoje. Mas não, fui hiperestimulado. Sem parar. Sempre passando para baixo. Chegando ao próximo. Ruim? Bom? Não interessa. O próximo vai ser diferente.


Subi as escadas. Meu fone continuava na minha orelha, mesmo que aquele vídeo tivesse me feito pausar qualquer barulho que me hiperestimulava.


Eu segui, sentei-me onde tomo café normalmente. Conferi o relógio de pulso.


8:40


“50 minutos? Ainda consigo me redimir com isso” - pensei


Pedi um pão de queijo e um café. Devorei os dois. Não podia perder tempo.


Andei apressado até o ponto de encontro: a frente do McDonald’s. Há uma escadinha ao lado das plantas onde sempre sento. É agradável. O sol bate forte, mas na maioria das vezes isso é mais negativo do que positivo.


Até lá, o céu era lindo. Azul polvilhado de nuvens.


Finalmente, sentei-me.


Agora sim.


Agora eu me redimiria.


Agora aquele vídeo não seria mais dedicado a mim. Seria a alguma outra pessoa que faz esse tipo horrível de coisa. A alguém que se deixa levar pelos devaneios da sociedade imediatista que vivemos. Alguém que não entende o verdadeiro valor da vida e do tempo. Agora sim, com um livro em mãos, eu me libertaria e quebraria este ciclo.


...


Não.


Eu sentei.


Olhei para frente.


O dia estava lindo.


Eu não queria ler agora.


Eu pensei no tempo que passei vendo aqueles vídeos. Bobinhos? Claro. Mas divertidos. Eu ri alto na viagem. Não me lembro qual específico me fez rir, mas com certeza está salvo e me fará rir mais uma vez. Eu tenho certeza que mostrarei para a minha namorada e ela rirá também. Para os meus amigos; e eles também.


Fiquei martelando na cabeça essa coisa do hiperestimulo. É óbvio que somos - e, a cada dia mais, bombardeados com conteúdo raso, viciante e produzido com essas intenções. Frutos de operações matemáticas absolutamente abstratas mas que, por algum motivo, captam a essência de cada usuário e dele constroem um reflexo perfeito. Um molde que enchem e manipulam ao deus dará. Ao ponto em que fica difícil entender se somos o objeto refletido ou o próprio espelho, refletindo o que nossas telinhas individuais projetam sobre nós.


Enquanto eu perambulava na minha cabeça havia um homem catando lixo. Era seu trabalho.


Ele não estava de fones de ouvido. A única música que ouvia eram os barulhos, cheiros e paisagens de uma avenida em movimento acelerado. Estímulos que, ironicamente, apesar de “hiper”, não vinham de tela nenhuma.


Ele não estava em paz.


Na verdade, ele parecia até estar em uma situação parecida com a minha: Uma sensação estranha de que deveria-se estar fazendo outra coisa. Aproveitando melhor o tempo.


Hiperestimulados.


Eu e ele. Pela mesma coisa.


Não pela tela. Não pelos carros, cheiros e barulhos.


Pela culpa.


Por fim, eu peguei um livro e comecei a ler.


Até amanhã.


- Pedro Marzano














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